O livro “ Racismo Estrutural?”, publicado em 2019 pela coleção Feminismos Plurais, aborda reflexões acerca dos conceitos raça e racismo. Silvio Almeida apresenta argumentos para nos mostrar como foi feita a construção histórica desses conceitos e como eles se atualizam na modernidade.
Silvio é muito influenciado pelo pensamento do Achille Mbembe, filósofo camaronês que discute a criação do conceito de raça na modernidade e a necropolítica. Assim, o argumento estrutural de Silvio terá um diálogo muito próximo com Mbembe.
Para ficar mais fácil, separei a resenha em pequenos comentários sobre cada um dos capítulos do livro, organizados em 5:
- Raça e Racismo
O autor demonstra como os conceitos de raças surgiram historicamente desde as concepções de Homem, universal/norma, do iluminismo, resultando dessa concepção a classificação entre civilizados X selvagens, humanos X sub humanos, cabendo aos povos colonizados e Não-brancos as classificações de selvagens e incivilizados. Ele percorre brevemente as teorias racialistas do século XIX, que classificavam padrões de comportamento com características fenotípicas.
Nesta parte, também são debatidos os seguintes conceitos: racismo, preconceito racial e discriminação racial, que são basilares para a compreensão do argumento estrutural do autor. Além disso, ele apresenta as três concepções sobre o racismo:
-Individualista: é quando olhamos para os comportamentos das pessoas: fulano agiu de modo racista porque é irracional, tem algum problema. Para Silvio Almeida, esta concepção é sobre a relação estabelecida entre o racismo e a subjetividade. Assim, essa concepção é extremamente frágil porque não dá conta de questões históricas.
–Institucional: Nesta concepção, o racismo é tratado como um resultado do funcionamento das instituições, que organizam e mantém os privilégios baseados em raças. Esta concepção seria sobre a relação estabelecida entre o Estado e o racismo.
“O que se pode verificar até então é que a concepção institucional do racismo trata o poder como elemento central da relação racial. Com efeito, o racismo é dominação.”
“O que os autores [Hamilton e True no livro Black Power: Politics of Liberation in America] destacam é o fato de que as instituições atuam na formulação de regras e imposição de padrões sociais que atribuem privilégios aos brancos ou a grupos raciais específicos.”
–Estrutural: Nesta concepção discute-se a relação entre o racismo e a economia.
“As instituições são apenas a materialização de uma estrutura social ou de um modo de socialização que tem o racismo como um de seus componentes orgânicos. Dito de modo mais direto: as instituições são racistas porque a sociedade é racista.”
O racismo está presente na vida cotidiana dos indivíduos e, portanto, será reproduzido dentro das instituições caso elas não criem políticas internas que barrem essa reprodução. Silvio defende que algumas atitudes internas podem ser tomadas, como promover o debate interno e externo sobre diversidade, remover os obstáculos para ascensão em cargos de prestígio, revisão das práticas institucionais.
A tese do autor é:
“o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural.”
Contudo, quando dizemos que o racismo é estrutural, não estamos retirando a responsabilidade do indivíduo com a manutenção do racismo. Para Silvio, o reconhecimento de que o racismo é estrutural aumenta a nossa responsabilidade enquanto sujeitos de combater o racismo e os racistas.
- Racismo e Ideologia
Nesta parte, o autor debate como o racismo é naturalizado no cotidiano através de práticas. Eu acrescentaria através da produção de imagens sobre os sujeitos negros que dão base ao imaginário racista. Ele analisa os motivos de, na televisão, o homem negro ser sempre suspeito ou a imagem da mulher negra aparecer como pouco capaz.
“A supremacia branca é formada de hegemonia, ou seja, uma forma de dominação que é exercida não apenas pelo exercício bruto do poder, pela pura força, mas também pelo estabelecimento de mediações pela formação de consensos ideológicos.”
Outro ponto importante deste capítulo é a discussão sobre branquidade ou branquitude, no qual ele resgata a tese da Maria Aparecida Bento para discutir o “pacto narcísico” e a Lia Schucman sobre branquitude.
- Racismo e Política
Este capítulo aborda especificamente o Estado, sua definição e como ele alimenta as estruturas do racismo. O autor faz uma discussão sobre o Estado no sistema capitalista, apresentando seus limites de atuação dentro deste sistema.
Outra discussão importante do capítulo é a vinculação de Raça com a Nação. Neste debate, Silvio dialoga com Paul Gilroy sobre a construção da Nação através de uma tecnologia de poder que engloba gênero e raça nas hierarquias.
Na sequência, o autor agrega o debate entre biopoder e necropolítica, num diálogo próximo com Foucault e Mbembe. Este último irá afirmar:
“o estado de exceção e a relação de inimizade tornaram-se a base normativa do direito de matar”
Silvio irá complementar o debate de Mbembe da seguinte forma:
“neste espaço onde a norma jurídica não alcança, onde o direito estatal é incapaz de domesticar o direito de matar, que sob o velho direito internacional é chamado de direito de guerra. […] A necropolítica, portanto, instaura-se como a organização necessária do poder em um mundo em que a morte avança implacavelmente sobre a vida. A justificação da morte em nome dos riscos à economia e à segurança torna-se fundamento ético dessa realidade.”
- Racismo e Direito
Neste capítulo, somos apresentadas ao conceito de direito, um pouco sobre a trajetória de Luiz Gama e reflexões sobre o direito como uma norma e poder. No capítulo, também há uma breve discussão sobre raça e legalidade, analisando desde as leis segregacionistas até o histórico brasileiro das discussões sobre racismo como crime inafiançável.
- Racismo e Economia
Neste capítulo, você acompanhará as discussões sobre as teorias econômicas de explicação das desigualdades, bem como uma discussão das relações entre o racismo e o capitalismo. O autor elenca algumas discussões em torno das heranças escravocratas e aquela velha discussão: classe ou raça, presente nas discussões marxistas e de intelectuais negras.
De tudo que você leu até aqui, eu destaco a forma didática como Silvio vai apresentando cada um dos debates que sustentam o argumento dele. Cada um dos capítulos apresenta subseções que são quase esquemáticas para demarcar de onde ele está escrevendo. Contudo, sugiro uma leitura prévia de textos do autor para você se acostumar com o argumento. Gostou deste texto? Gostaria de dialogar mais sobre essas discussões?
Informações do Livro:
Nome: Racismo Estrutural
Autor: Silvio Almeida
Ano: 2019
Editora: Jandaíra
Número de Páginas: 256
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