Cartas para minha avó – Djamila Ribeiro

Cartas para minha avó, é um livro diferente de Djamila Ribeiro. Estamos acostumadas a leitura de seus textos teóricos que discutem raça e gênero, porém, neste livro encontramos estas discussões a partir de um olhar intimista. Djamila expõe nas cartas detalhes de sua vida privada que poucos de nós conhecíamos até a publicação deste livro. Com esta leitura descobrimos como o racismo e sexismo atravessou sua subjetividade desde a infância. O livro também aborda como ela lidou com o luto, a carreira acadêmica, os relacionamentos, religiosidade e a maternidade.

É difícil ler este livro e não se emocionar. Encontramos na trajetória de Djamila pedaços das nossas próprias histórias. Este é um texto autobiográfico, mas sinaliza uma reflexão de vários aspectos da nossa sociedade.

As cartas são direcionadas a Antônia, a avó materna de Djamila, mas conhecemos nessa narrativa quatro gerações de mulheres desta família: Antônia, que gerou Erani, que gerou Djamila que gerou Thulane.

os mais novos precisam dos mais velhos, reconhecer o caminho pavimentado, mas os mais velhos também precisam dos mais novos, para seguirem existindo e terem senso de continuidade.

Djamila apresenta como a relação entre Antônia e Erani serviram de ensinamento para enfrentar as violências que existem no mundo para com as mulheres negras. As duas sabiam o pensamento uma da outra apenas com o olhar, estavam preocupadas em proteger de todas as formas as meninas da família. Assim ela relata como a mãe ficava brava quando alguém maltratava algum de seus filhos ou filhas. Dona Erani não poupou um afilhado que tentou abusar sexualmente de Djamila, não poupou colegas do colégio que foram racistas com ela.

A relação das duas – Djamila e Erani- também era marcada por algumas mágoas. “Passamos a vida culpando as mulheres que nos criam, assim como muitas vezes culpei minha mãe, sem olhar para quem nos tira o chão, a casa, as oportunidades”. Neste trecho Djamila discorre sobre as faltas de oportunidades em consequência da situação de pobreza. Nem sempre temos a maturidade de compreender que os homens da família têm mais peso nesta situação. Dona Erani cuidava da casa e dos filhos. A ela cabia o papel de vilã da casa, dar ordens, corrigir os deveres, colocar as meninas para cuidarem da casa, tudo tinha que ficar impecável. Para o marido sobrava o papel de bom moço. Chegava do trabalho podia brincar com os filhos, pois tudo estava pronto.

Em menos de um ano Djamila enterrou a mãe e o pai. O processo de superação do luto é narrado à avó demonstrando a rede de apoio que a ajudou.

A autora ainda reflete sobre a falta de afeto para com as mulheres negras. Relembrando seu tempo de escola nos diz que “sempre segurava vela” e quando os meninos a convidavam para sair era de olho numa amiga sua, uma menina branca. Nestes relatos ela mostra como suas primeiras experiências com meninos foram invasivas, por isso ela se afastava de relacionamentos. Aos vinte e três anos engravidou do namorado que depois tornara seu marido. Entre o medo e o desespero de como seria gerar uma nova vida, Djamila nos narra como a família do companheiro a acolheu dando espaço para sua decisão. A chegada de Thulane marca uma nova etapa na vida de Djamila: a maternidade.

Minha avó não teve oportunidade de estudar, minha mãe não teve oportunidade de estudar. Eu estou quebrando esse ciclo agora!

Djamila passou na faculdade em Filosofia quando Thulane ainda era bem pequena. Ouviu de muitos que filosofia era um sonho sentido, ainda mais para quem tinha uma família para sustentar. Entre os desafios para contiuar na faculdade estavam 3 horas e meia de viagem de Santos à Guarulhos, local da faculdade. Na parte final do livro Djamila nos narra como a participação em eventos acadêmicos internacionais foram essenciais para perceber que existia a possibilidade de estudar mulheres na filosofia.

Enfim, este é um livro sobre a vida de Djamila e as mulheres de sua família, mas que servem para pensar os ensinamentos que aprendemos com as nossas mais velhas. O que temos em nós que é herança da nossa ancestralidade?

Cartas para minha avó é um livro leve, capítulos curtos, o pouco de teoria que aparece está diluído em narrativas do cotidiano. É uma ótima opção de leitura para se reconectar, para retomar o hábito de ler.


Informações do livro:
Nome: Cartas para minha avó
Autora: Djamila Ribeiro 
Ano : 2021
Editora: Companhia das Letras
Número de Páginas:198

 

Negras Escrituras

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Voltar ao topo