Água de Barrela – Eliana Alves Cruz

Água de Barrela é um romance memorialístico baseado na história da família da escritora, Eliana Alves Cruz. Eliana Alves Cruz começou as pesquisas no ano de 2010 e publicou o livro em 2016. Nesta história acompanhamos desde o sequestro de seus antepassados até o início do século XX. Eliana elabora uma narrativa que cruza com grandes acontecimentos da história para demonstrar como afetam pessoas comuns.  Ao final de Água de Barrela a autora comenta um pouco sobre o anseio de registrar essa história :

“Desde a adolescência, muita coisa me intrigava, e a vontade de pesquisar mais fundo para depois escrever ia sendo postergada pelo sufoco da rotina e da vida, que clama por coisa práticas.”

No livro você lerá sobre as muitas leis que existiram neste país durante o século XIX : como a “Lei do Ventre livre” (1871) e  “Lei do Sexagenado” (1885). 

“Desde setembro de 1871 que os filhos das escravas nasciam livres. A coisa era recente e ainda não havia nenhuma ‘cria’ eeem idade de emancipar pois isto só ocorreria aos oito anos, se o senhor optasse pela idenização, ou aos 21, se decidisse ficar com a criança.” p. 103

Também encontramos análises diferentes sobre o mesmo acontecimento pelos personagens. Eliana acerta muito ao construir a diversidade de personalidades que encontramos no livro o que demarca que nem todo escravizado e escravizada percebia da mesma forma a situação que vivia. A autora demarca as diferenças para mostrar como as semelhanças nos une.

 

“Dizia que eles tinham nascido do ventre livre, mas que todo mundo veio ao mundo livre e que só eles – e meneou a cabeça indicando dois homens brancos  que passavam – acreditavam que não.” p. 113

 

“Lembra do que lhe disse aquele dia no cais? Que os sinhôs num ia se conformá tão fácil e que liberdade num existe pra nós?[…]

– A terra, o trabalho, as pessoas tudo pode ser igual, Martinha, mas os lugares de cada um, ah, esses é que nunca mais serão os mesmos!’ ” p. 149

Vamos aos personagens dessa história? Você precisará se guiar várias vezes pela árvore genealógica que a autora nos apresenta nas primeiras páginas. São muitos personagens! Mas vou destacar aqueles que marcaram minha experiência de leitura. Sem sombras de dúvidas é um romance focado nas mulheres, nas matriarcas dessa família, por isso, quase todos personagens que me marcaram são mulheres.

    Firmino

O nome verdadeiro dele é Akin SangoKunle (Xangocunlé) e foi traficado em 1850 com pouco mais que 9 anos na companhia da cunhada Ewà Oluwa, que acabou morrendo após o parto de Anolina. O nome Firmino foi dado porque ele aparentava ser forte, e ao longo da narrativa vemos como ele é o grande herói negro que tanto solicitamos nos livros. Firmino nunca se conformou com a situação de escravizado, sempre questionou a perspectiva dos “crioulos”, os nascidos no Brasil, porque segundo ele, queria negociar com brancos sempre. Casou-se com Isabel e tiveram um filho Roberto. Por onde passou lutou pela liberdade, tentando várias fugas e pensava no coletivo. A ligação com a sobrinha Anolina foi sempre muito forte. Ele era um verdadeiro guerreiro!

Anolina

Uma das primeiras grandes mulheres que acompanhamos nessa história. Como adiantei Anolina é filha de Ewà Oluwa, foi criada na casa grande, muito boa na cozinha (inclusive começou a trabalhar com uns 8 ou 9 anos). Essa personagem é responsável por cenas de doer o coração, não vou comentar mais para não dar spoilers. Mas ela teve uma filha, Martha, que continua dando o tom da narrativa do trabalho das mulheres negras.

Martha

Se apaixonou jovem por Adônis com quem teve duas filhas:Damiana e Maria da Glória (Dodó). Ela trabalhou duro entre Cachoeira e Salvador sempre querendo dar o melhor que podia as filhas. Conseguiu que Damiana tivesse uma boa educação porque ela sempre acreditou no poder da educação. Após a abolição buscava conquistar seu espaço como uma mulher livre e independente o que afetou a relação com o Adônis. Com Martha acompanhamos a iniciação dela em suas obrigações religiosas como filha de Xangô. 

Damiana

Educada num convento nunca se aproximou muito do Candomblé, sempre muito responsável e acabou casando com um fanfarrão. No fim Damiana teve que bancar a família trabalhando como lavadeira, faxineira para garantir educação às filhas Celina e Nunu (Anolina). Vivia dizendo que limparia quantas privadas fosse para que seus descendentes não fizessem isso.

 

Eu poderia falar muito mais dessas e outras mulheres que estão neste livro, mas a experiência não será a mesma. Acompanhar a saga de toda essa família é um presente a todas as famílias negras porque começamos a questionar de onde vieram nossos antepassados? Até onde chegaríamos se fizéssemos uma árvore genealógica como a de Eliana? É uma leitura necessária para conhecer algumas estratégias de resistências que foi construída por muitas mulheres negras no pós-abolição e ignoramos. Água de Barrela, de Eliana Alves Cruz, deveria ser uma leitura presente no conteúdo de literatura do Ensino Médio.

Neste blog você também encontra resenha das outras obras da escritora, Eliana Alves Cruz: O crime do Cais do Valongo e Nada digo de ti, que em ti não veja.


Informações do livro:
Título
: Água de Barrela
Autora: Eliana Alves Cruz
Editora: Malê
Número de Páginas: 320
Ano: 2018

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3 comentários em “Água de Barrela – Eliana Alves Cruz

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