Frederick Douglass: Autobiografia de um escravo

A Autobiografia de um escravo, de Frederick Douglass, foi publicada pela primeira vez em 1845 e em 2021 chega pela primeira vez para o público brasileiro. O livro é estruturado em 11 capítulos e um apêndice sobre a “religião escravocrata” que datam do período de sua vida como escravo até a fuga, em 1838. Esta obra enquadra-se no gênero literário conhecido como “narrativa de escravos”, em que os ex-escravos registram suas memórias e experiências. Nos capítulos iniciais, Douglass nos apresenta sua infância, a suspeita de ser filho do seu próprio dono e a perda da mãe aos sete anos. Devido à política sistemática de separação das famílias, Fredrick Douglass nem chegou a conhecer de fato a mãe.

O senhor, no entanto, não era um senhor de escravos humanitário. Seria necessária uma barbaridade extraordinária para afetá-lo. Era um homem cruel, endurecido por uma longa vida de escravagismo. Ele mostraria de tempos em tempos que tinha grande prazer em chicotear um escravo.

Douglass analisa o processo de desumanização tanto de negros e brancos pelo sistema escravista. Diferente das produções audiovisuais em novelas que tentam nos mostrar que apenas aqueles homens brancos com desvio de caráter praticavam violência contra os escravizados, Douglas nos apresenta um sistema violento que corrompe até as “Sinhás Moças” [referência a uma mocinha de novela brasileira]. Praticar a violência contra os escravizados era parte da forma de atuação dos senhores, sem exceção.

Se você ensinar aquele preto a ler, nada mais poderá detê-lo. Isso o tornaria inapto a ser escravo. Ele se tornaria inadministrável e sem qualquer valor para seu senhor.

A importância da leitura para a consciência do escravizado

Na infância, Douglass vai trabalhar como acompanhante de uma criança e recebe o mínimo: é tratado como um ser humano pela senhora, que começa a ensiná-lo a ler e escrever. Porém, logo, o senhor a proíbe, pois, há um medo enorme do que pode fazer um escravo que saiba ler e escrever. A partir desse momento, Douglass foca sua narrativa em seu empenho para aprender a ler e escrever e como isso foi tanto uma libertação quanto um sofrimento. Foi uma libertação porque ele passou a ter consciência do poder do homem branco [mesmo termo usado pelo autor, porém se refere também às mulheres brancas] para escravizar o homem negro. E era um sofrimento porque essa mesma consciência o mostrava a situação horrível na qual ele estava:

Quando sofria por isso, por vezes eu sentia que aprender a ler tinha sido uma maldição, não uma benção. Isso havia me dado uma visão de minha condição deplorável, sem remédio. Abriu meus olhos para o horrível poço, mas sem nenhuma escada pela qual eu pudesse dele sair. Em momentos de agonia, invejei meus colegas escravos por sua estupidez. Muitas vezes desejei que eu mesmo fosse um animal. Eu preferiria a condição do mais desprezível réptil à minha própria. Qualquer coisa, não me importava o quê, para me livrar de pensar! Era o constante pensar em minha condição que me atormentava.

Após essa tomada de consciência, Douglass segue sua narrativa demonstrando o quanto ele desejava a liberdade para si e para os seus. Às escondidas, ele ensinava outros escravizados que queriam aprender a ler a escrever na tentativa de melhor libertá-los da escuridão mental. O acesso à leitura como uma estratégia para educação libertadora, sem dúvidas, é uma parte central do texto que eu gostei muito.

A religião no período escravocrata

Outro ponto que eu gostaria de destacar nesta resenha é em relação à religião. Se você leu Água de Barrela ou Um Defeito de Cor percebeu que as pessoas mais fervorosas na religião eram capazes das violências mais absurdas. Aqui Douglass aponta, a partir de sua experiência, que os senhores religiosos eram os piores. Ele, como um religioso, faz uma distinção entre o que ele considera a religião cristã verdadeira e aquela que está a serviço da escravidão. Um dos questionamentos de Douglass é: “Aquele que proclama como um dever religioso ler a Bíblia nega-me o direito de aprender a ler o nome de Deus que me criou. Aquele que é advogado religioso do casamento afasta milhões de sua sagrada influência e os deixa à mercê da total devassidão.”

Caso eu fosse novamente reduzido às cadeias da escravidão, ao lado dessa escravidão eu consideraria ser escravo de um senhor religioso a maior calamidade que poderia ocorrer comigo. Pois, de todos os senhores de escravos os quais eu me encontrei, os religiosos eram os piores. Sempre os achei os mais maldosos e baixos, os mais cruéis e covardes de todos.

Os textos adicionais desta edição

Entre os textos adicionais desta edição, temos um de 1848, no qual Douglass nos detalha como foi seu processo de fuga, visto que na primeira escrita ele não pôde detalhar por questões de segurança. Há um texto sobre o 4 Julho, Dia da Independência estadunidense, do qual Douglass questiona que essa data não lhe pertence, não é de festa, mas sim de luto. Pois, para os escravos, essa data revela toda a crueldade da qual é vítima, questionando se a democracia estadunidense seria completa, já que uma classe de homens não era lidos como cidadãos. Nesta edição você encontra também uma cronologia da escravidão nos Estados Unidos até a eleição de Donald Trump, em 2016. 

Veja a resenha no canal do Youtube:

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Informações do Livro:
Título: Autobiografia de um Escravo 
Autor: Frederick Douglass
Tradutor: Guilherme Gontijo
Editora: Vestígio
Ano: 2021
Número de Página: 196

 

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