Pensamento Feminista Negro – Patricia Hill Collins

Informações sobre o livro:
Título: Pensamento Feminista Negro:
conhecimento, consciência e a política do empoderamento
Autora: Patricia Hill Collins
Tradução: Jamille Pinheiro Dias
Ano de Publicação: 2019
Número de Páginas: 493
Editora: Boitempo

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Posso afirmar com toda certeza que a leitura de Patricia Hill Collins foi uma das leituras mais transformadoras que experienciei em toda a minha vida. Quando comprei o livro, resolvi que queria ler em conjunto e aprender com outras pessoas porque era o meu primeiro contato com a escrita da Patricia. Ouvia e lia citações sobre ela em outros escritos.

Aqui vem o primeiro ponto de transformação: foi uma leitura coletiva feita por mulheres negras. Algumas das participantes da leitura coletiva eu nunca vi pessoalmente, mas se tornaram minha base de acolhida durante todos os atravessamentos de estar estudando, produzindo conteúdo em meio a uma pandemia e o racismo nosso de cada dia. Compartilhar nossas experiências semanalmente a partir das discussões da Patricia foi um lindo processo de amadurecimento pessoal e coletivo. Hoje, criamos o que a escrita chama de “espaços seguros” que compartilhamos leituras teóricas e nossas vivências, ajudando umas as outras.

Pega um café que a resenha vai ser longa…

O texto da Patricia é dividido em 12 capítulos que discutem temas importantíssimos ao Feminismo Negro, como trabalho, noção de família, imagens de controle que se produzem sobre a mulher negra, autodefinição, política sexual para as mulheres negras, epistemologia feminista negra, empoderamento e muito mais.

O que é esse Pensamento Feminista Negro que ela está propondo?

O pensamento feminista negro constitui um projeto de conhecimento que examina a produção intelectual das mulheres negras  em resposta aos desafios específicos que enfrentamos na política dos Estados Unidos e na sociedade estadunidense.

 

Desenvolver o pensamento feminista negro como teoria social crítica implica incluir tanto as ideias de mulheres negras que não eram intelectuais – muitas das quais da classe trabalhadora, empregadas fora da academia – quanto as ideias que emanam dos ambientes de conhecimento mais formais e legitimados

Essas são algumas das citações para contextualizar o que ela identifica como Pensamento Feminista Negro. Posso destacar também as características que ela vai elencar no capítulo 2 sobre isso:

-Reconhecimento da conexão entre experiência e consciência na vida cotidiana das afro-americanas;
-Resistência a todas as formas de opressão;
-Não há um ponto de vista homogêneo das mulheres negras, porque experienciamos opressões semelhantes em contextos diferentes;
-As intelectuais afro-americanas faziam as perguntas certas com relação a vida das afro-americanas de uma forma dialógica;
-A importância da mudança para manter o Pensamento Feminista Negro dinâmico;
-A busca por justiça social não é apenas para as afro-americanas, mas para todo mundo.

Para desenvolver todos estes argumentos ao longo do livro, a Patricia desenvolve a partir de alguns conceitos importantes. O primeiro que vou destacar na resenha é o de imagens de controle. Estas são resultado da objetificação da mulher negra. Ao transformar a mulher negra em Outro, o primitivo, retira a humanidade e resulta em todos os tipos de opressões.

Quais são essas imagens de controle que ela analisa?

“Mammy”a serviçal fiel e obediente: Criada desde a escravidão para justificar a exploração das escravas no ambiente doméstico. É o modelo que de comportamento que a branquitude espera das mulheres negras.

A matriarca negra: Essa imagem simboliza a figura da mãe em que famílias negras são consideradas agressivas e não femininas, por isso são castradoras de seus companheiros. Para Patrícia, a imagem da matriarca é fundamental para explicar o desenvolvimento do capitalismo nos Estados Unidos, porque pressupõe que a pobreza negra é transmitida intergeracionalmente.

-A mãe dependente do Estado: Segundo Patrícia, essa imagem surgiu quando as mulheres negras acessaram poder político e cobram do Estado equidade, então essa imagem foi necessária. Essa imagem serve para qualificar como perigosa para o país a fecundidade da mulher negra (especialmente a das mães solteiras), pois ela é retratada como uma pessoa acomodada com o que recebe do governo e por isso não trabalha e transmite valores negativos aos seus filhos.

-A rainha da assistência social: É uma evolução da imagem de mãe dependente do Estado surgida durante o governo Reagan em 1980 (governo que adotou políticas de austeridade e controle da comunidade negra, especialmente com as políticas anti-drogas). Essa imagem passou a culpar a mulher negra pela deterioração dos Estados Unidos.

-Dama negra: Essa imagem se refere às mulheres negras da classe média que concluíram os estudos. Num primeiro momento, essa imagem parece positiva, contudo é uma representação da mammy moderna, aquela profissional disposta a trabalhar duas vezes mais para alcançar o sucesso.

A Jezebel, prostitua ou hoochie: Essa imagem diz respeito ao controle da sexualidade da mulher negra. Durante a escravidão nos Estados Unidos, surgiu a imagem da Jezebel, “amas de leite sexualmente agressivas”. Essa era uma imagem de justificativa aos abusos sexuais cometidos pelo homem branco, uma vez que essa mulher negra tinha um apetite sexual incontrolável.

Como nós, mulheres negras, podemos nos libertarmos dessas imagens de controle?

Pela autodefenição. Nas relações sociais, essas imagens exercem controle sobre como as mulheres negras são identificadas e se identificam. Por isso, nossa saída é nos autodefinindo de formas diferentes destas imagens de controle. A autodefinição é um processo de encontrar-se das mulheres negras proporcionados pelos “espaços seguros“, nos quais podemos falar e sermos ouvidas enquanto sujeitas. É nesses espaços seguros que criamos nossas consciências da matriz de dominação que existe por trás das imagens de controle.

As relações afetivas de mulheres negras são um lugar de construção desses espaços seguros. Essas relações afetivas podem ou não envolver sexo. A autora destaca muito o papel das mães negras e as mães de criação na “maternagem da mente” das jovens para buscarem se libertar dessas imagens de controle.

Nessa conquista da autodefinição, Patricia construiu um capítulo belíssimo analisando as letras das grandes intérpretes do blues estadunidense, como Nina Simone, Billie Holiday, Aretha Franklin. Para Patricia, as intérpretes foram essenciais para a consolidação da autovalorização e a luta pelo respeito às mulheres negras. Sem contar que para Patricia, elas são grande intelectuais na sua transmissão de conhecimento pela oralidade.

Quando nós, mulheres negras, nos autodefinimos, rejeitamos claramente o pressuposto de que aqueles que em posição de autoridade para interpretar nossa realidade têm o direito de fazê-lo. Independentemente do conteúdo real das autodefinições das mulheres negras, o ato de insistir em nossa autodefinição valida nosso poder como sujeitos humanos.

No capítulo dedicado à maternidade, ela discute outra imagem de controle que existe: a “mãe negra superforte” que é vista como um elogio pela resiliência das mulheres negras. Na visão da autora, a maternagem, como instituição social, é dinâmica e dialética, podendo tanto oprimir quanto ser um espaço no qual as mulheres negras descobrem o poder da autodefinição.

Outro lugar de empoderamento da mulher negra é pela educação. “A luta pela educação politiza as mulheres negras“. Ela dialoga muito com a bell hooks nesse quesito, porque ela vai analisar a educação como prática de liberdade, inclusive questionando aquela educação focada que retira o ativismo da educação.

Posso destacar aqui também a discussão que ela faz do feminismo negro como transnacional e acrescenta a Nação e o Nacionalismo dentro da matriz de opressão.

Adotar uma escala global de análise não apenas revela novas dimensões das experiências das mulheres negras estadunidenses na matriz de dominação que caracteriza a sociedade estadunidense, mas também lança luz sobre os desafios específicos que uma matriz transnacional de dominação pode apresentar para as afrodescendentes. As opressões interseccionais não param nas fronteiras dos Estados Unidos.

Neste capítulo em específico, ela chama a atenção da situação de pobreza das mulheres negras em outras partes do globo que foram causadas pela Política Externa dos Estados Unidos. Aqui, há uma memória dos anos de 1980 e 1990, com as políticas de austeridade (redução de gastos em serviços públicos para diminuir a dívida dos países). Isso, na perspectiva da Patricia, são políticas racializantes e de gênero porque a maioria das pessoas que perdem auxilio do estado são mulheres negras em condições de desemprego e pobreza. Logo a consequência dessas políticas de ajuste estrutural é o empobrecimento das mulheres negras.

Por fim, vou destacar rapidamente o capítulo sobre Epistemologia Feminista Negra, onde ela elenca algumas características da pesquisa científica (sobre ele vou escrever separado, mas você pode ver este vídeo no IGTV). O último capítulo do livro discute o empoderamento. Para isso, Patricia nos convida a conhecer alguns dos domínios do poder que são inter-relacionados: o estrutural, o disciplinar, hegemônico e o interpessoal (sobre eles também farei outro texto).

Obrigada se chegou até aqui! Tentei ser o mais didática possível para dar conta de várias discussões que estão no livro. Obviamente algumas ficaram de fora da minha reflexão, por isso eu indico muito, se em algum momento você tiver condições, que adquira e leia esse livro. Você, mulher branca feminista, também deve ler o livro porque ele é uma análise refinada das matrizes de dominação que fazem com que nossa sociedade mantenha hierarquias. Inclusive várias das imagens de controle produzidas sobre as mulheres negras serviram para garantir outras imagens de controle sobre as mulheres brancas e os homens negros.

Esse livro é essencial para compreender o debate do feminismo negro. Eu sei, você vai dizer: “mas ela é estadunidense?” Sim, ela dá umas derrapadas (2 ou 3 eu diria) sobre a localização geográfica de poder sendo estadunidense. Só que isso é muito pequeno em comparação com a obra completa, como vocês viram nessa resenha, que ficou enorme.

Se gostou, compartilhe com o pessoal essa resenha. Até mais!

 
 
 
 
 
 

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