Nada digo de ti, que em ti não veja é o novo romance histórico da escritora Eliana Alves Cruz. Neste romance ela narra a vida de duas famílias: Gama e Muniz. Aparentemente cidadãos de bem do Brasil colônia, mas cada qual com seus segredos ocultos.
Havia 12 anos fora criada a capitania de Minas, e Vila Rica era sua próspera capital. Muita gente circulando, lojas abertas, sinos repicando.
O romance é narrado em terceira pessoa, por um “cobrador”. Como um romance histórico o livro é cheio de referências do presente no passado do Brasil. Eliane utilizou alguns acontecimentos, que se não nos dissessem quando aconteceram, facilmente acreditaríamos que era o ano de 2020.
A história começa no Rio de Janeiro em 1732 com a chegada de membros do Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição, para verificar a conduta dos fiéis da colônia. É tão importante para a construção do romance a presença da Inquisição que os capítulos são divididos conforme alguns documentos dessa instituição. Exemplo disso é as Ordenações Filipinas que descreviam as penalidades daqueles que cometeram crimes, em especial, os de lesa-majestade.
Conheçam Vitória
Vitória era o seu quinto nome desde que vira ao mundo. Ela nascera como o menino Kiluanji Ngonga. Quando entendera sua verdadeira natureza, foi chamada de Nzinga Ngonga, depois virou sacerdotisa e era chamada de Nganga Marinda (sacerdotisa dos mistérios ancestrais). Desembarcou na América sequestrada dos seus e a batizaram como o homem Manuel Dias.
Vitória, uma mulher negra transexual, é uma das grandes personagens que você irá encontrar nesse romance. Conhecida na cidade pelos seus poderes de cura e adivinhação, era respeitada e temida porque sabia se defender como ninguém. Vitória ganhava vida vendendo o seu corpo. Mantinha-se impecável na limpeza para revidar todo o falatório sobre ela. Uma personagem corajosa que se manteve de cabeça erguida até nos momentos mais difíceis.
Ela vivia um amor proibido com o jovem Felipe Gama, filho mais novo da família Gama. Ele a amava profundamente, mas era num bom português um ‘filhinho de papai’. Chamo-o assim porque Felipe vive o romance inteiro seu dilema em estar, cuidar e proteger sua amada Vitória ou ceder aos mandos do pai. Como um bom filho de família rica resolve seguir os protocolos e tenta se afastar da amada. A relação dos dois fica mais ameaçada com a presença do inquisidor, pois, o romance deles era pior crime que existia naquela época.
Felipe estava de casamento marcado com a parenta Sianinha, filha dos Muniz. Ele embarcará na aventura de ir a capitania das Minas acompanhando o Frei Alexandre, o inquisidor, que fora verificar os pagamentos de impostos.
As famílias Gama e Muniz
Dessa forma, o ouro saído do braço dos escravizados, que eram crianças, cegos, surdos e sufocados nas entranhas das montanhas brasileiras, enriquecia de verdade o reio Jorge II, seus súditos…. e uma meia dúzia de outros endinheirados como a família Gama.
A família Gama era uma das nobres famílias do Rio de Janeiro que enriqueceram extraindo ouro de Minas, sonegando o imposto, vendendo escravizados a prazo com juros altíssimos e revendendo utensílios produzidos na Inglaterra. Era um verdadeiro clã de enriquecimento ilicíto que se apresentava como família exemplar diante da sociedade.
Branca Muniz sempre fora apaixonada por Antônio Gama, mas não conseguiu casar com ele. Ela era uma mulher viúva que tomava conta dos negócios da família porque o irmão Diogo, como um sacerdote, não poderia administrar os bens. Ana, ou Sianinha, filha de Branca nutria uma paixão doentia pelo escravizado Zé Savalú. Assim que a mãe , Branca, percebeu essa paixão tratara de afastar Zé Savalú, entregando-o ao inquisidor como uma forma de agradá-lo, para se livrar das desconfianças dele.
Ambas as famílias guardavam um grande segredo e tentaram a todo modo conseguir maneiras de livrarem-se das desconfianças. A história das famílias se desenvolve a partir de algumas cartas anônimas de ameaças que eles vão recebendo com a frase: Nada digo de ti, que em ti não veja.
El dorado
Eu amo um romance histórico! Aqui no site eu já fiz uma resenha do livro O Crime do Cais do Valongo também da Eliana. Faço uma busca na internet conforme vai aparecendo as referências e começo a me imaginar nos cenários, vendo os personagens vivendo suas vidas. A parte que mais me prendeu em “Nada digo de ti, que em ti não veja” é a viagem de Felipe, Zé Savalú e o Frei Alexandre para a capitania das Minas.
Vira com seus próprios olhos e sentiu-se ainda mais impactado. Viu os cegos pilando as pedras. Acompanhou com pesar crianças franzinas que saíam carregando pesados fardos semelhantes a mochilas abarrotadas delas para abastecer os pilões.
Essas cenas são descritas quando Zé Savalú acompanhando Frei Alexandre os irmãos Gama nas visitas as Minas vê a degradação dos homens, mulheres e crianças negras. Chegavam a Minas todo o tipo de aventureiro pelas fofocas que espalhavam-se no Brasil e fora da possibilidade de enriquecimento fácil. Zé Savalú também estava nas Minas com desejo de conseguir grana para sua alforria e da amada Quitéria.
Nas descrições da passagem de Zé e Felipe nas Minas acompanhamos toda a corrupção, prostituição e tantos outras questões sociais que envolvem uma mina de ouro. Também há uma lenda de um tesouro escondido que Zé e Felipe se tornam cúmplices na procura.
Você tem que ler o livro para saber como desenrolar das falcatruas das famílias Gama e Muniz, o romance de Vitória e Felipe, e, também como foi o tal julgamento que Frei Alexandre veio conduzir aqui no Brasil.
Mais uma vez Eliana escreveu sobre a história de homens e mulheres negros e negras a partir de sua agência. Colocando uma pitada de mistério e euforia nas descobertas dos segredos de todos esses personagens e alguns que eu não enumerei aqui. Esse é mais um livro essencial para analisarmos o Brasil e percebermos o que daquele colonial ainda permanece no de hoje. Como a própria escritora diz esse livro é:
Para aqueles que desejam ardentemente honrar o tempo, com a honestidade e a coragem de revelar a sua essência mais profunda.
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Informações do livro:
Título: Nada digo de ti, que em ti não veja
Autora: Eliane Alves Cruz
Páginas: 199
Ano: 2020
Editora: Pallas
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