Da vida nas ruas ao teto dos livros – Clarice Fortunato

O livro Da vida nas ruas ao teto dos livros é um exercício de empatia e visibilidade a população em situação de rua. A escritora Clarice Fortunato é professora na Secretária de Estado da Educação de Santa Catarina.

Este é o seu livro de estreia na literatura é uma autobiografia. Resultado de sua tese de doutoramento, Clarice aborda seu retorno às memórias e como a escrita foi um processo de cura.

“[…] a compreensão do silêncio causado pelo trauma: a profunda dor de se resgatar os fragmentos do passado; o esquecimento providencial como uma condição para seguir em frente; a urgência de lembrar o trauma do passado para esquecer; por fim, a escrita como uma necessidade existencial, um olhar terapêutico sobre as feridas, na tentativa de que esse passado não mais incida de forma nociva no presente.”

A história de Clarice é marcada por ausências e violências que resultam em processos de silenciamento das mulheres negras. Um pai muito violento, que morre em função de desavenças com o patrão e este expulsa a família da fazenda “porque não emprega mulheres”. Resultado disso é cada um da família seguindo seu rumo e sobrando apenas ela e a mãe, que com dificuldades para conseguir emprego acaba morando na rua com a filha pequena.

“As pessoas passavam quase tropeçando na gente, assustavam-se e seguiam em frente. Para a maioria éramos invisíveis ou inspirávamos repulsa e medo.”

Por conta dessa vida de ausências e uma questão genética, a mãe de Clarice ficou cega e dependente dela muito cedo. Essa condição a deixava ainda mais vulnerável às violências na vida nas ruas. Uma das cenas marcantes, nas memórias de Clarice, é quando elas são expulsas de um posto de gasolina a pontapés e na mira de um revólver, e a mãe, frágil e cega, não consegue defender-se. 

Clarice também analisa episódios de violência familiar que resultaram no silenciamento das mulheres, como a questão do abuso sexual de pais às filhas. Infelizmente, uma realidade no Brasil profundo. 

Ela começou a trabalhar muito cedo para uma família que eram responsáveis por ela. Essa relação era aquela típica, “quase da família”. Clarice era tratada como filha, mas estudava em escola pública enquanto os verdadeiros filhos na melhor escola particular, não tinha tempo para lazer devido a grande quantidade de serviço na casa. As dificuldades para se manter economicamente após sair dessa residência e um episódio de racismo sofrido na escola quase a fizeram desistir do sonho de estudar.

“É tempo de despertar. Amanheço de um sonho, numa realidade esperada. Sei que não era um lance de felicidade autêntica; eu ainda estava perdida, mas isso não me assustava.”

Mas com muita luta Clarice ingressou em Letras – Português  na Universidade Federal de Santa Catarina. Para se manter na faculdade ela narra alguns outros empregos como empregada doméstica, mas graças a assistência estudantil (moradia na Casa do Estudante e estágio de meio período) ela conseguiu se formar. 

“Ao revisitar minha trajetória, penso: poderia aquela menina negra e pobre, ávida por mergulhar no extraordinário universo da leitura, imaginar que chegaria tão longe?”

A história de Clarice é forte e merece ser conhecida porque não é apenas dela. Muitas mulheres negras neste país ainda vivem as situações descritas neste livro. Indico essa leitura como uma reflexão da sociedade brasileira.


Informações do livro:
Título: Da vida nas ruas ao teto de livros
Autora: Clarice Fortunato
Editora: Pallas
Ano: 2020
Número de Páginas: 120

Compre neste link e contribua com o Negras Escrituras.

 
 
 
 

Negras Escrituras

Voltar ao topo