A biografia de Sueli Carneiro, escrita por Bianca Santana, apresenta a trajetória da militante, intelectual e ativista política.
Com capítulos curtos e uma leitura fluida e fácil, o livro entrelaça a história do Brasil aos fatos que marcaram a vida de Sueli Carneiro, como o período da ditadura Civil-Militar (1964-1985), as Diretas Já (1983), a atuação do Movimento Negro na Constituinte (1984), a Marcha Zumbi dos Palmares (1995), a participação do Brasil em Durban (2001) e a defesa de Sueli Carneiro no STF das cotas raciais.
A capa do livro é marcante: Sueli, única negra entre os colegas.
Quando Sueli estava no primeiro ano, a professora reuniu as crianças, todas brancas, uma única pretinha entre eles, para plantar uma árvore. Cantavam “Alecrim dourado” enquanto abriam o buraco e enterravam a muda nos fundos da escola.
A cada capítulo somos apresentadas à intimidade de Aparecida Sueli Carneiro. As relações familiares, o casamento, a relação mãe e filha, as festas, as risadas.
O livro divide-se em quatro partes: escavação, movimento, disputa e centralidade. A primeira dedica-se a apresentar os antepassados de Sueli e como foram seus primeiros anos de vida. Em movimento, lemos sua passagem pela Universidade de São Paulo, o início de sua carreira, o casamento, sua inserção no Movimento Negro, o primeiro encontro com Lélia. Na parte “Disputa”, acompanhamos as duas tentativas de Sueli em fazer um mestrado acadêmico:
No Departamento de Filosofia da USP, ouviu que ninguém poderia orientá-la, já que não havia nenhum especialista em tradição oral. Ela pretendia estudar o filósofo Paulin Hountondji, do Benim, reconhecido na Europa e nos Estados Unidos, mas que nenhum daqueles doutores uspianos conhecia. Para eles, na África não se produzia filosofia, tudo era tradição oral.
Além deste não – que era obviamente parte da estrutura racista e colonial das universidades brasileiras – Sueli chegou a ingressar em 1981 no Centro de Estudos Africanos com o desejo de ser orientanda do professor Kabengele Munanga. Contudo, como Kabengele era novato na USP, não conseguiu disputá-la com o outro professor que a selecionara como orientanda. Entre as dificuldades com este orientador e, posteriormente, com Octavio Ianni, Sueli desistiu do mestrado pensando que a academia não era seu lugar.
Outro fato importante da trajetória de Sueli narrado nesta parte é a fundação do GELEDÉS – Instituto da Mulher Negra.
Com o Geledés, estava constituído um sujeito político para enfrentar a questão racial e de gênero, vocalizar as demandas das mulheres negras e dialogar com os outros movimentos a partir sujeito político mulher negra.
Em “Centralidade”, Bianca nos apresenta as muitas ações desenvolvidas pelo Geledés: Projeto Rappers e Geração XXI, a construção do Portal do Geledés, a criação do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, a volta de Sueli à academia e a escrita da Tese sobre o dispositivo de racialidade.
Se a trajetória de Sueli é marcada pelo pioneirismo e o medo: a quem passar o bastão? Ao final do texto somos convocadas a aceitar continuar a caminhada iniciada por Sueli Carneiro e tantas outras mulheres negras.
Veja essa resenha sobre o livro “Escritos de uma vida”, da Sueli Carneiro: