O segundo volume de Casa de Alvenaria possui narrativas da vida de Carolina Maria de Jesus de 1960 até 1963. Em Santana, Carolina Maria de Jesus realiza seu sonho de morar numa casa de alvenaria, com o mínimo de conforto. Contudo, o sonho realizado logo vira um pesadelo para a autora. A casa nova esta coabitada por uma família, que não pagava aluguel, nem tinha posse da casa. Superado este conflito inicial e tendo a casa só para a família de Jesus outros desafios surgiram. A convivência com os vizinhos não é das melhores. Tudo de ruim que acontece na vizinhança recaí a culpa nos filhos de Carolina. A peregrinação de pessoas pedindo dinheiro emprestado à Carolina continua e cada vez mais forte, pois, todos pensam: Carolina está rica!
Relação com a literatura
Neste livro acompanhamos os efeitos da publicação de Quarto de Despejo na vida de Carolina Maria de Jesus. Se por um lado ela goza de uma estrondosa fama sendo reconhecida por pessoas nas ruas, participando de jantares com políticos, membros da elite paulista e conhecendo outros escritores. Por outro lado, existe a pressão dos editores para que ela continue escrevendo diários e publique mais deste gênero literário. Assim, também verificamos que Carolina não possui uma independência financeira. Visto que todo o dinheiro fruto da edição de Quarto de Despejo fica nas mãos de Audálio Dantas e Lélio, da livraria Francisco Alves. Durante todo o livro acompanhamos diversos problema entre a Carolina e os editores, pois, ela precisava constantemente explicar-lhe os seus gastos.
Preciso preparar o livro para setembro. O ultimo livro que vou escrever. Porque estou com nôjo da literatura. Por causa dos desgraçados que quer expoliar-me. Não suporto os velhacos. Eu ando tão nervosa que vou acabar num hospício. Eu não elonqueci na favela no meio dos incultos. Mas, vou enloqueçer na casa de alvenaria. No quarto de despejo que é a favela, eu estava no inferno. Na casa de alvenaria que é a cidade, eu estou no inferno. p.136
Saúde Mental do Negro em Ascensão
Um outro tópico importante tratado por Carolina na Casa de Alvenaria: Santana é a saúde mental do negro em ascensão na década de 1960. Carolina não recebe integralmente o dinheiro com a publicação de Quarto de Despejo. Então ela está sempre a solicitar dinheiro aos editores para custear a vida com os filhos. Como ela frisa o custo de vida não permite viver bem no Brasil. É necessário ter em mente uma inflação alta que desvalorizava o dinheiro e aumentava o custo da alimentação.
Há uma percepção da Carolina de muitos brancos querendo explorá-la. Por exemplo, logo no início Carolina empresta um dinheiro a uma mulher branca na condição de que o pagamento será com o auxilio na limpeza da casa. A mulher não cumpre com as obrigações da limpeza, cozinha mal e ainda maltrata os filhos de Carolina. Demora um pouco até Carolina conseguir tirá-la de sua casa. Contudo, essa relação de exploração à Carolina é uma constante no livro. Muitas pessoas vem a sua casa pedir dinheiro com um tom de que ela tem a obrigação de dar-lhes.
Tenho a impressão que sou uma carniça e os côrvos estão ronndando o meu côrpo. Côrvo humano que quer dinheiro! p. 111
Outro fator de adoecimento de Carolina é a tomada de consciência de que ela é vista apenas como um objeto a ser explorado. Inclusive, há partes em que Carolina comparece a eventos sociais agendados pelos editores com febre, nos meses após o lançamento do Quarto de Despejo. Ao longo do livro acompanhamos altos e baixos na relação próxima da escritora com o Audálio Dantas. No final do livro esta relação já está bem desgastada. Ao ponto que ela passa a referir-se como Senhor Dantas. Em 1963, Carolina volta a passar fome com os filhos, ao ponto que ela engole o orgulho e vai à casa de Dantas pedir esmolas. Não é recebida nem pelo editor, nem pela esposa. Acaba sedo ajudada por uma vizinha da família Dantas.
Reforma Agrária
Os diários de Carolina são uma reflexão sobre os impactos da fome na vida das pessoas. No livro Casa de Alvenaria – Santana, a autora nos mostra a construção de sua interpretação sobre a causa da fome no Brasil: a ausência de uma reforma agrária.
Eu ja disse que o causadôr da desordem no Brasil é o fazendeiro. Na fazenda planta o que lucra para ele. Ele não interessa pelo bem estar do colono. O colono é oprimido pelo fazendeiro pensa que é mais inteligente do que o colono. p. 90
Em outro ponto do texto a autora escreve com todas as letras que a sua esperança de uma realidade sem fome está na reforma agrária:
O Brasil vae ser um pais bom quando as terras fôr livres. A reforma agraria era a esperança de povo. Ficou o progeto. Mas o povo precisa é da realidade. p. 387
Estas reflexões sobre a causa da desigualdade no Brasil permanecem ao longo do livro sendo acrescida da percepção do histórico da escravidão no país. Em 1963, após a necessidade fazê-la vender a máquina de escrever para arranjar dinheiro para comprar comida, Carolina faz a reflexão a seguir:
De uma coisa estou certa. Se os fazendeiros do Brasil são ricos é porque os seus antepassados espolavam os escravos […]. p. 487
Carolina Maria de Jesus pelo mundo
A parte boa, pós- publicação de Quarto de Despejo é que Carolina passa a conhecer o mundo. Neste livro há a narrativa de quando Carolina viaja para Argentina, em novembro de 1961, para o lançamento de seu livro lá. Participando de eventos, entrevistas com jornalistas locais, e claro, uma breve análise sobre Buenos Aires. Num dado momento Carolina percebe a ausência de pessoas negras na cidade:”- Aqui na Argentina, não tem pretos?” . Carolina visitou a vila miséria, na qual fez correlações com as favelas brasileiras.
Além das viagens, no texto acompanhamos os processos de traduções do livro Quarto de Despejo para outros países. A certa altura da vida de Carolina a tradutora para o finlandês, Eva Vastari, passa a morar com ela para realizar a tradução. Acompanhamos a relação entre as duas ora de proximidade, ora de estranhamento. Elas trabalhavam na tradução do livro, principalmente no período noturno. O estranhamento entre elas deu-se por uma situação na qual Eva acusou os filhos de Carolina de a roubarem o que não foi comprado e Carolina estremeceu a confiança que depositava em Eva.
Para saber mais sobre Carolina:
Você pode ler a resenha do Volume 1 Osasco e assistir vídeo no canal do Youtube:
Informações do livro:
Nome: Casa de Alvenaria – Volume 2: Santana
Ano: 2021
Editora: Companhia das Letras
Número de Páginas: 508