Casa de Alvenaria: Osasco, de Carolina Maria de Jesus, é uma versão ampliada de seus diários. A publicação foi feita pela Companhia das Letras, editora parceira do Negras Escrituras, em dois volumes. Nesta resenha comentarei o volume Osasco, que relata a vida de Carolina de agosto até dezembro de 1960. Este é o período do auge da carreira dela, logo após a publicação de Quarto de Despejo.
Eu não li as versões anteriores de Casa de Alvenaria, mas esta versão conserva todas as marcas autorais dos manuscritos de Carolina. Você deve ter acompanhado em alguma rede social o debate em torno da escrita de Carolina Maria de Jesus. Muitos apontaram que esta escolha editorial tinha “o intuito de exotizar a escrita”, colocando-a no lugar de uma favelada escritora. Porém, estas pessoas, provavelmente, não se deram ao trabalho de ler intelectuais negras como Lélia Gonzalez, a qual desenvolve o conceito de pretuguês.
O texto “Outras Letras: tramas e sentidos da escrita de Carolina Maria de Jesus”, de autoria de Conceição Evaristo e Vera Eunice de Jesus, aborda que a autora utilizou métodos próprios de apropriação da Língua Portuguesa. As autoras defendem que Carolina produz uma escrita “em movência, nada fixo, nada que caiba nos contornos de uma classificação fechada, definida.”
Não tenho tempo para escrever o meu Diario devido aos convites que venho recebendo de varias cidades do interior para autografar livros. Convites que atendo com todo prazer proque vou conheçer algumas cidades do Brasil.
Em Casa de Alvenaria, lemos uma rotina de Carolina cheia de compromissos em diversas partes do Brasil. Sua chegada, quase sempre, é cheia de repórteres, curiosos e pessoas pedindo autógrafos. Num primeiro olhar, imaginamos que a autora está muito feliz com a nova vida. Afinal, conquistou o sonho de morar numa casa de alvenaria e tem dinheiro para dar comida aos filhos. Porém, o que encontramos é uma Carolina exausta, extremamente consciente de que está sendo usada como moeda de câmbio em várias situações. No livro, ela não escreve diretamente que está adoecida mentalmente com todas as cobranças, pessoas querendo se dar bem em cima de sua ascensão, todos dando pitacos na educação de seus filhos. Contudo, em várias passagens ela destaca seu desânimo com essa nova vida.
Eu ando tão dessiludida que não lamento nada que me ocorre. Eu ja disse que não ha possibilidades de ser-se feliz. […] A Dona Rosa diz que eu sou forte que sei impôr contra as adversidades. – Ninguem é forte. Toleramos a vida porque não devemos eliminarmmos.
Outro aspecto de marca essa exaustão da Carolina é sua relação com o jornalista Audálio Dantas – que havia a revelado. Em alguns momentos, Carolina tece de elogios o jornalista, noutros aponta desgosto com o domínio excessivo dele em sua vida. Audálio foi quase como um tutor da autora durante este período, sendo responsável pelo dinheiro que ela recebia com as vendas dos livros e influenciou até mesmo na decisão de onde ela iria residir quando saiu da favela. É notável também a influência de Audálio na produção escrita de Carolina:
Mas o Audálio diz que eu devo escrever Diario, sêja fêita a vontade do Audálio.
Neste livro, percebemos a consciência de Carolina de que muitas das pessoas que a estão recebendo provavelmente não gostam de sua presença. No trecho do dia 17 de novembro de 1960, ela diz:
quando estou entre os brancos, tenho a impressão que eles detestam minha presença, ou talvez seja, a não estar habituada com estas damas, que não sabem o que é ter fome. […] Tenho a impressão que estou num mundo de joias falsas. O que noto na sociedade é o fingimento.
A perspectiva crítica de Carolina às pessoas que encontra nessa nova realidade continua ao longo da leitura. Percebemos que em muitos eventos ela é convidada para “adornar”, mas ela está muito consciente disso. Ela nos narra um evento filantrópico, com mulheres da alta sociedade, que estão discutindo a reforma social. Enquanto estava as ouvindo, Carolina reflete consigo:
elas são filantropicas nas palavras, mas não agem. São falastronas, papagaios notrunos. Quando avistam-me, é que recordam que ha favelas no Brasil. Quando eu morrer, o problema será olvidado como decreto de politico que vão para as gavêtas. Será que surge outras Carolinas? Vamos ver!
Percebo nestas linhas uma Carolina consciente de que está alcançando espaços pouco ocupados por pessoas pretas e faveladas. Também está presente nessa passagem o papel que ela assume ao longo de suas viagens como a porta-voz dos pobres. Muitas pessoas iam ao seu encontro para narrar suas angústias na esperança de que ela colocasse seus relatos no próximo livro. Eu fiquei muito surpresa com a proporção que o livro Quarto de Despejo teve em sua época. Carolina fora reconhecida não somente pela elite, mas também por pessoas comuns que a viam pela repercussão de sua publicação.
No que tange à crítica social, Carolina também nos presenteia com várias discussões sobre ser uma mãe solo e escritora. É comum vermos passagens nas quais ela evoca a falta de tempo para dedicar-se à escrita, já que tem que cuidar dos filhos, da casa, comparecer a eventos e dar conta das reportagens sobre sua vida nos jornais. Comentei brevemente sobre isso neste post no Instagram.
Essa leitura foi uma das mais demoradas de 2021, talvez, porque eu estava no mesmo estado de espírito de Carolina: cansada de tudo. Perceber que a realidade da qual Carolina narrava – o preço dos gêneros alimentícios sempre subindo e o pobre sem condições de comprá-los – é novamente uma situação cotidiana e dói em muitos aspectos. Gosto muito de ler Carolina porque é sempre um aprendizado sobre a sociedade brasileira, uma leitura extremamente atual. Esta resenha foi uma pitada de todos os temas importantes que você encontra na leitura de Casa de Alvenaria: Osasco de Carolina Maria de Jesus.
Informações do livro:
Nome: Casa de Alvenaria – Volume 1: Osasco
Ano: 2021
Editora: Companhia das Letras
Número de Páginas: 220
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