Adeus, Haiti

Título: Adeus, Haiti
Autora: Edwidge Danticat
Tradutor: Geraldo Galvão Ferraz
Editora: Agir
Ano de publicação: 2010
Número de Páginas: 231

Sinopse

Narrado com incrível simplicidade, Adeus, Haiti é um épico da vida real sobre a diáspora de um país combalido por guerras e tragédias naturais. Uma história comovente sobre a família, sobre a vida e a morte de dois homens e de um país e sobre o grande amor de uma filha por eles.

 

Desde que comecei a pesquisar sobre o Haiti, este livro entrou para minha lista de leituras. Edwidge Danticat é uma escritora haitiana que migrou na adolescência para os Estados Unidos. No livro, ela narra a memória da família, discutindo as ligações afetivas que se constroem para além das fronteiras. Os pais deixaram ela e Bob (irmão) no Haiti sob os cuidados do tio Jospeh (irmão do pai) e Tante Denise quando migraram para os Estados Unidos.

Um dos pontos interessantes do livro é a construção dessa família que, nos estudos de migração, chamamos transnacional. Ela e o irmão ficaram aos cuidados do tio e recebiam cartas e as remessas dos pais para pagar os estudos no Haiti. Em várias partes, ela conta como escrevia as cartas para o pai e a escolha das palavras e fatos a serem narrados. As dificuldades que os pais enfrentaram para reunir a família devido às leis estadunidenses de migração são relatadas, assim como a expectativa de Edwidge de algum dia conseguir viver com os pais. A noção de família é ampliada na narrativa porque, para Edwidge, além dos pais e dos irmãos que nasceram em solo estadunidense, ela tem os tios que a acolheram, os filhos do tio, Liliane (sobrinha de Tante Denise cujo pai estava trabalhando na plantação de cana na República Dominicana) e Granmè Melina (mãe de Tante Denise).

Descobri que estava grávida no mesmo dia que a rápida perda de peso e a crônica respiração arquejante do meu pai foram diagnosticadas como fibrose pulmonar terminal.

Esta é a primeira frase do livro e demonstra o tom da narrativa de Danticat: os começos e fins de nossas vidas, mas também sobre o amor que está em todos os momentos que vivemos. A narrativa intercala o presente. Julho de 2004 em diante e o passado: o período em que ela viveu no Haiti e as memórias dos mais velhos da família. Edwidge também acrescenta a sua narrativa questões políticas críticas do país e que afetaram sua família.

Em 7 de fevereiro de 1986, no aniversário de 63 anos do meu tio, Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier fugiu do Haiti para a França, deixando uma junta militar comandando o país.

O tio Joseph é um personagem importante da história pessoal de Edwidge, porque ele cuidou dela como um pai, bem como é através dos relatos dele que ela costura momentos históricos do Haiti com dilemas pessoais. Ele, como filho mais velho, cuidava da proteção da família durante a Ocupação dos Estados Unidos no Haiti (de 1915 a 1934). Depois de um tempo, Joseph comprou um terreno em Bel Air, Porto Príncipe, no qual construiu a Igreja Cristã da Redenção, que funcionava como escola durante a semana, e a casa da família. Ele também é o personagem que será pivô de muitos dramas da narrativa: com câncer na garganta, perde a voz aos 55 anos, a filha se envolve em relacionamentos abusivos e ele percorre o país para encontrá-la e protegê-la, e, por fim, sua vida é marcada pelo drama de ser um migrante não desejado nos Estados Unidos durante o ano de 2004.

No domingo, dia 24 de outubro de 2004, cerca de dois meses depois de partir de Nova York, tio Joseph acordou com o estrepitar de um tiroteio. Havia tiros de pistola, revólveres, armas automáticas, cujas rajadas trovejantes soavam como foguetes.

A história do Haiti é conturbada devido à intervenção política e econômica de outros países, como Estados e Unidos e França. No ano de 2004, o governo de Jean-Bertrand Aristide chegou ao fim em meio a conflitos e ele partiu para os Estados Unidos acompanhado de alguns militares estadunidenses. A região de Bel Air, na qual Edwidge cresceu e a sua família vivia, foi uma das mais afetadas pelo alto índice de violência. Nessa parte final, ela descreve os efeitos dessa violência na vida cotidiana dos moradores. Inclusive, na citação acima ela desenvolve um capítulo sobre a complexa relação de forças dentro do Haiti com a chegada das Nações Unidas. A Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH), da qual o Brasil participou, não deixou boas memórias no país, como você pode ver nessa reportagem.

Como meu tio, Léone passara sua vida toda observando a ação do braço forte da autoridade, fosse a dos fuzileiros americanos que ocuparam o país quando ela nasceu ou do brutal exército local que eles treinaram e deixaram para trás a fim de apoiar, e depois derrubar, os governos marionetes de sua escolha. E, quando o governo caiu, os soldados das Nações Unidas, as chamadas forças da paz, tiveram finalmente de intervir e, mesmo ao custo de vidas inocentes, tentar restaurar a ordem.

O desenrolar do livro é lindo e doloroso, porque Edwidge consegue transformar em palavras um misto de sentimentos e fatos que provavelmente à época a deixaram imobilizada. Como eu disse no começo, ela entrelaça os começos e fins de nossas vidas que envolvem o amor. É por amar tanto seus pais (tio Joseph e o pai Mira) que ela registrou a memória de tantas momentos felizes que viveu ao lado deles.

O livro me tocou de diversas formas e foi uma leitura que me emocionou muito. Primeiro, porque é uma história real e a escritora conseguiu traduzir em palavras emoções que sentimos quando estamos nos despedindo de pessoas amadas, quando estamos ansiosas com as mudanças. Se você gosta de organizar a leitura por capítulos, o livro é ótimo, porque tem capítulos curtos. Vale a leitura para conhecer mais sobre o Haiti, que é tão distante do nosso cotidiano aqui no Brasil e que tantas vezes é narrado num lugar de ausência. Edwidge mostra a beleza do país, as contradições e tantas outras coisas que não vemos quando se fala em Haiti por aqui.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Negras Escrituras

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