A garota que não se calou de Abi Daré

A garota que não se calou de Abi Daré é um romance nigeriano escrito em 2015 e chegou ao Brasil em 2021. Este livro trata de questões sensíveis como: casamento infantil, estupro, tráfico de pessoas, violência no local de trabalho. Na resenha eu explico cada uma dessas situações.

A educação é a sua voz, filha. Vai falar por você mesmo se você não abrir a boca pra falar.

A história é escrita em primeira pessoa e conta a história de Adunni, uma garota de 14 anos que recém perdeu a mãe. O grande sonho de Adunni é concluir os estudos e se tornar professora, mas com a morte da mãe, o pai se entrega ao alcoolismo e a família fica sem condições de manter a despesa da casa.

O pai resolve arranjar um casamento para Adunni para resolver a situação do aluguel atrasado. Isto acontece porque há uma tradição, em algumas localidades do interior da Nigéria, que o noivo paga um dote à família da noiva. De olho neste dote que o pai entrega Adunni a Morufu, um senhor de quase quarenta anos com duas esposas.

Primeira questão social abordada pelo livro é o casamento infantil – “uma união formal ou informal antes dos 18 anos” definição da ONU- uma menina de 14 anos com um senhor de 40 anos. A noite de núpcias é basicamente um estupro. A autora não se alonga na descrição desta cena, apenas uma página, mas dá para sentir o aperto no estomâgo enquanto se lê esta sequência.

Além disto, Adunni encontra na casa de Morufu a rivalidade da primeira esposa, pois, ela não conseguiu dar um filho homem ao marido. É muito presente na literatura nigeriana a importância do filho homem, aquele que será o herdeiro do legado do homem. É este o grande motivo de Morufu casar-se pela terceira vez, a esperança do filho homem.

Adunni se dá muito bem com a segunda esposa, Khadija que está grávida. No momento do nascimento do bebê de Khadija, Adunni descobre um segredo de Khadija e acontece a fatalidade da morte de Khadija, numa situação que Adunni se torna suspeita de assassiná-la.

Adunni então resolve fugir e romper laços com sua aldeia, sua família e tudo que ela conhecia. Assim a protagonista vai parar em Lagos, uma das maiores cidades nigerianas, para trabalhar como empregada doméstica na casa de uma rica vendedora de tecidos Big Madam.

Neste trecho da história outra crítica social é apresentada ao leitor: o tráfico de pessoas. Aos poucos Adunni vai se dando conta da exploração de mão de obra que acontece. Muitas meninas de 14 ou 15 anos são levadas de pequenas aldeias para Lagos para serem empregadas domésticas. Mas, elas não recebem seus salários, são impedidas de continuarem os estudos, trabalham muito além da jornada normal de trabalho, sem contar as investidas sexuais por parte dos patrões. Essa é a dura realidade que Adunni encontra na casa de Big Madam.

Às vezes Kofi me chama de manhã e me dá comida pra comer antes de Big Madam acordar. Duas semanas atrás, o Kofi me deu arroz e guisado com ovo fervido. A Big Madam tava dormindo no andar de cima, então agradeci ele e sentei num banquinho na cozinha. Enquanto tava mordendo o ovo, a Big Madam entrou na cozinha. Eu fiquei em choque, dura. Segurei o ovo na minha mão, pensano se o chão não vai abrir e me engolir inteira com o ovo. Quando ela me viu, ela marchou pra minha frente, pegou o prato e despejou o arroz em cima da minha cabeça.

Essa cena demonstra os vários episódios de violência por parte da patroa de Adunni. Mas, a personagem é aquela que sempre tem esperança de que virá dias melhores, ou como diz a própria: “Amanhã vai ser melhor do que hoje”. Então a partir da amizade com a senhora Tia, uma jovem ativista que se mudou recentemente para a vizinhança de Big Madam, Adunni agarra uma oportunidade de virada em sua história.

A narrativa é muito boa para quem quer conhecer aspectos culturais da Nigéria. A autora demarca na escrita a linguagem informal com erros gramaticais que demonstra o pouco acesso a escola da personagem. Eu gostei muito da forma como é escrito este livro porque nós leitores somos conectados de início com os sonhos e anseios de Adunni. Esse livro também me pegou num lugar especial porque eu acredito no poder da transformação da educação, e esse é o caminho escolhido pela escritora para ser o ponto de virada da história de Adunni. Ela consegue se libertar do cativeiro que é a casa de Big Madam através dos estudos.

Se você é um/a leitor/a que não gosta de histórias de superação porque acha muito clichê, dê uma oportunidade “A garota que não se calou”. Ela vai te surpreender.


Informações sobre o livro:

Nome: A garota que não se calou
Autora: Abi Daré
Ano: 2021
Editora: Versus
Número de páginas:349

Negras Escrituras

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