E eu não sou uma mulher? Mulheres Negras e feminismo é o primeiro livro publicado da escritora bell hooks, no ano de 1981, mesmo ano de publicação de Mulheres, Raça e Classe, da Angela Davis. O título é referência ao famoso discurso de Sojourner Truth, mulher negra ex-escravizada, na Convenção das Mulheres de 1851.
“Aquele homem ali diz que é preciso ajudar as mulheres a subir numa carruagem, é preciso carregar elas quando atravessam um lamaçal e elas devem ocupar sempre os melhores lugares. Nunca ninguém me ajuda a subir numa carruagem, a passar por cima da lama ou me cede o melhor lugar! E não sou uma mulher? Olhem para mim! Olhem para meu braço! Eu capinei, eu plantei, juntei palha nos celeiros e homem nenhum conseguiu me superar! E não sou uma mulher? Eu consegui trabalhar e comer tanto quanto um homem – quando tinha o que comer – e também aguentei as chicotadas! E não sou mulher? Pari cinco filhos e a maioria deles foi vendida como escravos. Quando manifestei minha dor de mãe, ninguém, a não ser Jesus, me ouviu! E não sou uma mulher?”
Nesta obra, bell discute como a socialização racista e sexista condicionou a desvalorização da mulheridade negra. O livro é composto de cinco capítulos que percorrem desde o período escravocrata nos Estados Unidos até os movimentos sociais da década de 1960.
“A ameaça de estupro e de outras violências físicas causava terror psíquico nas africanas que haviam sido deslocadas.”
O primeiro capítulo é dedicado à experiência de exploração sexual e física das mulheres negras no período escravocrata. bell discorre sobre os métodos de torturas e castigos utilizados pelos colonizadores para “domesticar” o comportamento das pessoas sequestradas em África. A autora demonstra como o tratamento e as marcas desse período são diferenciados para homens e mulheres. “A escravidão é terrível para os homens, mas é muito mais terrível para as mulheres.”
“O objetivo político desse estupro categórico de mulheres negras por homens brancos era obter absoluta submissão e obediência à ordem imperialista branca. “
Para bell hooks, é a exploração sexual das mulheres negras objetivava desmoralizar e desumanizar as mulheres negras. No período colonial institucionalizar-se a figura da mulheridade idealizada que significava pureza, inocência, virtuosidade atrelada a mulher branca, enquanto as mulheres negras eram brutalizadas. Assim surgiu a imagem de controle da Jezebel, “mulheres negras eram naturalmente vistas como a personificação do mal feminino e da luxúria.” Essa imagem de controle organizava o comportamento tanto das mulheres negras quanto das mulheres brancas nesta estrutura patriarcal e racista.
“A sistemática desvalorização da mulheridade negra não foi uma simples consequência do ódio racial, foi um método calculado de controle social.”
No segundo capítulo a autora discute como essa desvalorização da mulheridade negra continuou após a abolição da escravidão nos Estados Unidos. Na era das leis segregacionistas, bell discute sobre as relações inter-raciais que eram incentivadas desde que não resultassem em casamentos, pois, permanecia a perspectiva de que as mulheres negras eram sexualmente descontroladas. A autora também chama a atenção para a dificuldade que as comunidades negras tinham de discutir o sexismo do homem negro. Outro ponto deste capítulo é a discussão sobre o rótulo da matriarca negra. Este rótulo fora utilizado, por acadêmicos, como explicação do papel das mulheres negras dentro das famílias negras. Para esses acadêmicos a matriarca negra foi responsável pela emasculação do homem negro. A autora mostra em seu texto como esse mito foi construído e como ele esconde a responsabilidade das estruturas patriarcais e racistas.
“Todos os mitos e estereótipos utilizados para caracterizar a mulheridade negra têm origem na mitologia negativa antimulher. “
Em “O imperialismo do patriarcado” a autora mostra como o sexismo impacta na vida das mulheres negras. Para isto ela discorre sobre o sexismo tanto dos homens brancos quanto dos homens negros. Assim, hooks demonstra que enquanto houver alguma relação oprimido/opressor não haverá libertação para ninguém.
“Lutar contra opressão sexista é importante para libertação negra, porque enquanto sexismo dividir mulheres e homens negros, não poderemos concentrar nossas energias na resistência ao racismo.”
Neste livro também encontramos um histórico do movimento feminista nos Estados Unidos. bell hooks demarca a dificuldade que as mulheres negras encontraram para ingressar no movimento. A autora questiona se há um caminho para a sororidade, enquanto mulheres brancas não renunciarem aos privilégios de raça, classe e orientação sexual.
“Para mim, o feminismo não é simplesmente uma luta para acabar com chauvinismo masculino ou um movimento para garantir que as mulheres tenham direitos iguais aos dos homens; é um compromisso para erradicar a ideologia de dominação que permeia a cultura ocidental em vários níveis – sexo, raça e classe social, para citar alguns – e um comprometimento de reorganizar a sociedade dos Estados Unidos de maneira que o autodesenvolvimento das pessoas possa preceder o imperialismo, a expansão econômica e os desejos materiais.”
Este é um dos livros essenciais para compreender como se configuram as opressões de raça, classe e gênero. Para quem quer se aprofundar no pensamento de mulheres negras este livro é uma forte indicação. A escrita de bell hooks é de fácil compreensão, contudo, o livro apresenta vários debates teóricos que valem uma leitura mais atenta.
Informações do livro:
Nome: E eu não sou uma mulher? Mulheres Negras e Feminismo
Autora: bell hooks
Tradução: Bhuvi Libanio
Editora: Rosa dos Tempos
Número de Páginas: 319
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